terça-feira, 12 de novembro de 2013

IRREMEDIÁVEL CURA (Andra Valladares)






IRREMEDIÁVEL CURA


Ontem eu vomitei.
Expeli muitas coisas
que estavam alojadas
nas minhas entranhas.

Coisas "nada poéticas"
 entaladas até a garganta...
Pontiagudas, 
enferrujadas,
congeladas,
embaraçadas,
podres,
indecentes,
incandescentes...

Não houve escolha 
ou tempo para pensar.
Tudo desceu repentinamente
como o estouro de uma represa... 

Movida por incontrolável emoção,
aos gritos, entre lágrimas e
despida de qualquer pudor...

Pela minha boca,
todo o lixo emocional
 estocado, jorrou.

Ontem vomitei...
PALAVRAS.


Andra Valladares 
12/11/2013

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

O Glaciar e o Amor (Andra Valladares) / Corsário (João Bosco e Aldir Blanc)



GLACIAR PERITO MORENO (PATAGÔNIA ARGENTINA)

O GLACIAR E O AMOR 
(Andra Valladares)


Eis um belo GLACIAR, azul como um pedaço do céu...
Que gela e queima a pele como o fogo.
Tão encantador e imenso que enfeitiça, provoca medo! 
Um colossal paredão de gelo que parece compacto 
mas rotineiramente libera pedaços enormes no mar
com roncos amedrontadores. 
O gigante se desfaz gradativamente... 
Suas partes descolam-se e saem navegando por aí,
como se fossem barcos de gelo desbravando os mares.
Até desaparecerem de vez com a ação do tempo
e a temperatura das águas. 

Eis um glaciar que gela e queima a pele como o fogo.
Ele é colossal, belo e amedrontador como o AMOR,
que arde, queima e também pode congelar... 

Ah, o AMOR... No início assemelha-se ao céu, 
igualmente enfeitiça e dá medo
por sua beleza e imensidão. 
Sentimento que, a princípio, transmite solidez 
mas acaba deixando seus pedaços
despencarem pela vida afora... 
Partes que vão ficando pelo chão, 
cobertas pela poeira da estrada, 
até o momento em que se tornam apenas 
uma vaga lembrança na memória.

Eis um azul, imenso e sólido amor.
Eis o tempo que o desgasta aos poucos  
e os ventos gélidos que o castigam...

Somente aqueles que conseguem manter
a temperatura adequada 
para conservar sua integridade
um pouco do seu encanto,
podem ter o benefício de vislumbrar
o azul, ou algum vestígio dele.


(Andra Valladares)
08/11/2013

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CORSÁRIO
(João Bosco e Aldir Blanc)

Meu coração tropical está coberto de neve,
mas ferve em seu cofre gelado,
a voz vibra e a mão escreve mar
bendita lâmina grave que fere a parede e traz
as febres loucas e breves que mancham o silêncio e o cais.

Roseirais, nova Granada de Espanha,
por você eu, teu corsário preso,
vou partir a geleira azul da solidão e buscar a mão do mar
me arrastar até o mar, procurar o mar.

Mesmo que eu mande em garrafas mensagens por todo o mar
meu coração tropical partirá esse gelo e irá
como as garrafas de náufrago e as rosas partindo o ar
nova Granada de Espanha e as rosas partindo o ar.

Vou partir a geleira azul da solidão e buscar a mão do mar
me arrastar até o mar, procurar o mar.

Mesmo que eu mande em garrafas mensagens por todo o mar
meu coração tropical partirá esse gelo e irá
como as garrafas de náufrago e as rosas partindo o ar
nova Granada de Espanha e as rosas partindo o ar.

Mesmo que eu mande em garrafas mensagens por todo o mar
meu coração tropical partirá esse gelo e irá.








terça-feira, 5 de novembro de 2013

VAZIO (acróstico)



Dedico esse acróstico a  Sandra A. B., que Deus a ilumine e traga um sentimento verdadeiro para seu coração. Medite muito sobre o Amor que deseja e terá exatamente o que plantar, regar, cuidar e merecer.

sábado, 26 de outubro de 2013

Despertar da inocência (Osho)



O misticismo é a verdadeira alma da religião.

Desprenda-se da mente que pensa em forma de prosa; desperte outro tipo de mente que pense em forma de poesia. Coloque de lado a sua destreza em silogismo; deixe que as canções sejam seu modo de vida. Mova-se do intelecto para a intuição, da cabeça para o coração, porque o coração está mais próximo dos mistérios. A cabeça é o antimistério; todo o esforço da cabeça é desmistificar a existência.


(...)

A coisa mais surpreendente na vida é que ninguém parece estar surpreso. As pessoas encaram a vida como uma coisa corriqueira. Do contrário, tudo é mistério, tudo é simplesmente espantoso! É um milagre que uma semente se torne uma árvore, que quando o sol nasce de manhã os pássaros comecem a cantar. É um milagre! A cada momento as pessoas se deparam com milagres e ainda assim não parecem surpreendidas. Essa é a coisa mais surpreendente da vida, que as pessoas a encarem como uma coisa corriqueira. Só as crianças não a encaram desta forma. Por isso elas têm beleza, uma graça, uma inocência. Elas estão sempre vivendo no encantamento. Catando seixos na praia, ou conchinhas... Observe as crianças, a alegria com que correm, a alegria com que juntam apenas pedras coloridas, como se tivessem encontrado diamantes. Colhendo flores, flores do campo, olhe em seus olhos... Ou correndo atrás de borboletas, observe-as. Todo seu ser, cada célula do seu corpo está tomada pelo encantamento. E essa é a qualidade mais importante que faz a vida ser digna de ser vivida. 


(Trecho do livro de OSHO: "Inocência, Conhecimento e Encantamento", Ed. Academia )

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

MATIZES DA TRISTEZA




MATIZES DA TRISTEZA



Dias com tons cinzentos,
noites insones e molhadas.
Na boca, vontade do silêncio.
Os ouvidos querem apenas a calada.

Nos olhos, o desejo de não ver
e a mente, anseia tudo esquecer.
As mãos, que eram ágeis, empolgadas;
agora estão inertes e cansadas.

O tempo, antes célere, é vagaroso.
Sob os pés, falta o chão p'ra prosseguir...
Pelo tortuoso caminho da vinda,
não há qualquer chance de seguir.

O coração pende apenas por um fio,
quase parado, dentro do peito vazio
de onde a felicidade escoa
e a dor invade, grita, ecoa...


(Andra Valladares)
27/09/2013


sábado, 21 de setembro de 2013

AO SOM DO JAZZ (microconto)




AO SOM DO JAZZ

Anos 40. Em um bar parisiense a música estava animada e trazia alento para todos os soldados ali presentes. A luminosidade era fraca, havia muita fumaça no ar e altas risadas invadiam o ambiente a todo instante. Eles tentavam aproveitar ao máximo aquele momento para esquecer tantos meses de sofrimento e horrores vivenciados nos campos de batalha. Eram homens de sorte. Estavam vivos! Mereciam as mulheres, a música, a dança, a bebida, os cigarros e qualquer outro prazer que pudessem alcançar. Em dois dias estariam de volta ao inferno.


(Andra Valladares)
21/09/2013


(Escrevi hoje esse microconto na Oficina de Escrita Criativa ministrada pelo escritor curitibano Nils Skare. O exercício proposto era ouvir determinada música e depois escrever um texto de até 12 linhas baseado nas impressões que a música causara, descrevendo o ambiente e as pessoas que ali estavam. A música era um jazz daqueles bem antigos que me remeteram aos filmes sobre a segunda guerra mundial. Não sei exatamente qual foi a música proposta mas era mais ou menos neste estilo: http://www.youtube.com/watch?v=JJWwOgthhj8 ).

terça-feira, 17 de setembro de 2013

FRAGMENTOS





Ficou na boca um paladar amargo,
Refutando o gosto que foi doce um dia.
As ervas daninhas invadiram o jardim,
Gramado e flores perderam a magia.
Morreram as cores, toda a alegria
E os sonhos voaram para o além.
Nas cordas do tempo, gira a saudade
Trazendo um alento que ainda convém.
Ouço ao longe o som de um bem-te-vi,
Sem a certeza de que realmente ouvi.


Andra Valladares
17/09/2013

sábado, 7 de setembro de 2013

BOAS NOVAS...


Caros amigos e leitores, 

Nos últimos dias aconteceram muitas coisas boas comigo e gostaria de partilhar as notícias com vocês. 


No dia 29/08, estive no Shopping Mestre Álvaro participando do evento QUINTA CULT, promovido pela ACADEMIA DE LETRAS E ARTES DA SERRA (ALEAS), ocasião em que recebi a COMENDA MESTRE ÁLVARO como escritora do mês. Gostaria de agradecer a todos os membros da ALEAS, em especial ao seu Presidente Clério Borges pela homenagem.





No dia seguinte, 30/08, tomei conhecimento que o projeto do meu livro infanto-juvenil CANTADOR foi aprovado no Edital nº 024/2013, da SECULT/ESAbaixo segue uma das ilustrações feitas por Marcelo dos Santos Neto para o livro.



Apesar de já ter publicado poemas e textos em jornais, revistas, livros didáticos e aproximadamente 30 antologias literárias, meu primeiro "voo solo" na literatura será com CANTADOR. O melhor de tudo é que investirei a verba que a SECULT me pagará pela liberação dos direitos autorais deste livro, para lançar também o livro de poemas "ENTRE VERSOS E CANÇÕES". 


                     Clério Borges, Andra Valladares, Marlusse Pestana Daher e Barbara Pérez


No sábado, dia 31/08, viajei para a cidade de São Mateus/ES para participar da solenidade comemorativa de um ano de revitalização da ACADEMIA MATEENSE DE LETRAS (AMALETRAS). Na oportunidade eu e outros autores fomos empossados como Membros Correspondentes da referida Academia.  


Aproveito a oportunidade para agradecer a todos os membros da AMALETRAS, especialmente à querida Marlusse Pestana Daher, pelo convite. Na ocasião, além de receber a medalha de mérito da AMALETRAS, ainda fui agraciada com a medalha RUBEM BRAGA. 

Também tomaram posse como membros correspondentes da AMALETRAS os Escritores e Poetas: André Luis Soares, Barbara Péres, César Domiciano, Clério José Borges, Elsa Lima, Fabiani Rodrigues T. Costa, Gilcéa Rosa, Heliana Mara Soares, Katia Bobbio, Maria Dolores Pimentel de Resente, Vera Maciel Fundão e Wanda Maria Alckmin.


Membros efetivos e correspondentes da AMALETRAS


Ah... Finalmente será lançado o curta-metragem baseado no conto "A PRESSA É INIMIGA DA DIGESTÃO" de minha autoria. O cineasta Sérgio de Medeiros foi o responsável pela transformação do conto em roteiro e o filme contará com a atuação de grandes artistas do Espírito Santo, dentre eles o meu querido amigo Paulo DePaula, verdadeiro ícone da cultura capixaba. Abaixo segue a logo do filme.


quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Libertação



LIBERTAÇÃO

Permito-me teus carinhos,
tuas mãos nas minhas,
teu olhar dentro do meu.

Permito-me teus beijos,
teus abraços apertados,
teu coração dentro do meu.

Permito-me sentir teu cheiro,
o calor da tua pele,
teu corpo dentro do meu.

Permito-me soltar as amarras,
deixar que viaje meu barco
no teu vento-fantasia.

Permito-me fazer-te amado, 
querido, desejado,
e assim, finalmente,
permito-me... 
Ser feliz ao teu lado.


(Andra Valladares)

26/08/2013

quarta-feira, 31 de julho de 2013

LEMBRANÇAS






L E M B R A N Ç A S


Foi o tempo que passou,
zombando te levou pra longe.
Sequer me avisou que ia ser assim,
a vida sem o seu amor.

Meu olhar se anuviou,
o mundo tão vazio agora se tornou.
Sem rumo, vou levando assim,
tão só, a minha dor...

Ah... Uma lagrima vai existir,
quando a saudade teimosa insistir...

Em buscar recordações,
seu perfume no vento
e acender o desejo 
que ainda existe em mim...

Em trazer as emoções,
 lembranças de outrora,
de um tempo tão feliz em que vivi
um grande amor... 


 (Andra Valladares / Sandra Sarmento)


(música composta no ano de 2003 em parceria com minha mãe)

sexta-feira, 26 de julho de 2013

VIVÊNCIAS (Andra Valladares)





Vivências



Foi a brisa ou a tempestade

Que alterou minha direção?

O entardecer ou a alvorada

Aquarelou-me a visão?



Planos insanos, desenganos,

Conquistas inesperadas?

Qual o quê? Não sei...



Foi a música ou os versos

Que acenderam meu reverso?

Para melhor ou pior?



Não sei... Eu mudei.

É só.




(Andra Valladares)

domingo, 21 de julho de 2013

Parônimos (poetrix)



PARÔNIMOS

Na torre da igreja,
enquanto o sino soa,
o homem sua...


(Andra Valladares)




PARÔNIMOS : SUAR x SOAR


Percebi que muitas pessoas cometem o erro de trocar essas palavras, especialmente na linguagem falada, quando dizem: "Eu soo muito" ou "Ele(a) soa muito"; quando o correto seria dizer:
"EU SUO", "ELE(A) SUA".

Referidas palavras são denominadas PARÔNIMAS, pois apesar de sua SEMELHANÇA GRÁFICA e SONORA possuem SIGNIFICADOS DIFERENTES.

SUAR = transpirar
SOAR = tocar / ecoar

Por isso, criei o poetrix acima para facilitar a memorização da diferença entre estas palavras
.

domingo, 14 de julho de 2013

LA ISLA NEGRA (Andra Valladares)





La Isla Negra
                                                                                  

                                                                                                 A Pablo Neruda e Matilde Urrutia


Palavras e sensações vêm e vão
em fluidas e infindáveis ondas...
Vastidões azuis - céu e mar -
inesgotáveis correntes de inspiração.  

Ah! O amor... Eternizado em versos,
ornado com conchas, corais e nácar;
emana olor de trufa, pão, vinho
e o frescor de flores orvalhadas.

O vento murmura na folhagem,
cânticos de esperança e dor.
No sal do tempo, inclemente ferrugem
vai dissolvendo a onírica paisagem...

Segredos de nuvens e espumas,
alvos lenços acenando adeus.
Aquele sentimento, risonho e imenso,
jaz na estranha quietude que grita :
 - Ei-lo imortal, por ter sido intenso!

(Andra Valladares)



Pablo Neruda e Matilde Urrutia na Isla Negra, Chile.



http://www.fundacionneruda.org/en/isla-negra/history.html

sábado, 13 de julho de 2013

Sonetos de Pablo Neruda para Matilde Urrutia


Pablo Neruda e Matilde Urrutia em Isla Negra, Chile




AO GOLPE da onda contra a pedra indócil
estala a claridade e estabelece sua rosa
e o círculo do mar se reduz a um cacho,
a uma só gota de sal azul que tomba.

Oh radiante magnólia desatada na espuma,
magnética viageira cuja morte floresce
e eternamente volta a ser e a não ser nada:
sal roto, deslumbrante movimento marinho.

Juntos tu e eu, amor meu, selamos o silêncio,
enquanto o mar destrói suas constantes estátuas
e derruba suas torres de enlevo e brancura,

porque na trama destes tecidos invisíveis
da água entornada, da incessante areia,
sustentamos a única e acossada ternura.

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NÃO TE QUERO senão porque te quero
e de querer-te a não querer-te chego
e de esperar-te quando não te espero
passa meu coração do frio ao fogo.

Te quero só porque a ti te quero,
te odeio sem fim, e odiando-te rogo,
e a medida de meu amor viageiro
é não ver-te e amar-te como um cego.

Talvez consumirá a luz de janeiro
seu raio cruel, meu coração inteiro,
roubando-me e chave do sossego.

Nesta história só eu morro
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero, amor a sangue e fogo.

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SE NÃO FOSSE porque têm cor-de-lua teus olhos,
de dia com argila, com trabalho, com fogo,
e aprisionada tens a agilidade do ar,
se não fosse porque uma semana és de âmbar.

se não fosse porque és o momento amarelo
em que o outono sobe pelas trepadeiras
e és ainda o pão que a lua fragrante
elabora passeando sua farinha pelo céu,

oh, bem-amada, eu não te amaria!
Em teu abraço eu abraço o que existe,
a areia, o tempo, a árvore da chuva,

e tudo que vive para que eu viva:
sem ir tão longe posso ver tudo:
vejo em tua vida todo o vivente.

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PLENA MULHER, maçã carnal, lua quente,
espesso aroma de algas, lodo e luz pisados,
que obscura claridade se abre entre tuas colunas?
Que antiga noite o homem toca com seus sentidos?

Ai, amar é uma viagem com água e com estrelas,
com ar opresso e bruscas tempestades de farinha:
amar é um combate de relâmpagos
e dois corpos por um só mel derrotados.

Beijo a beijo percorro teu pequeno infinito,
tuas margens, teus rios, teus povoados pequenos,
e o fogo genital transformado em delícia

corre pelos tênues caminhos do sangue
até precipitar-se como um cravo noturno,
até ser e não ser senão na sombra de um raio.

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Pablo Neruda e Matilde Urrutia em sua residência em Isla Negra, Chile



AI DE MIM, ai de nós, bem-amada,
só quisemos apenas amor, amar-nos,
e entre tantas dores se dispôs
somente a nós dois ser malferidos.

Quisemos o tu e o eu para nós,
o tu do beijo, o eu do pão secreto,
e assim era tudo, eternamente simples,
até que o ódio entrou pela janela.

Odeiam os que não amaram nosso amor,
nem outro nenhum amor, desventurados
como as cadeiras de um salão perdido,

até que em cinza se enredaram
e o rosto ameaçante que tiveram
se apagou no crepúsculo apagado.

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E ESTA PALAVRA, este papel escrito
pelas mil mãos de uma só mão,
não fica em ti, não serve para sonhos,
cai à terra: ali permanece.

Não importa que a luz ou a louvação
se derramem e saiam da taça
se foram um tenaz tremor do vinho
se tingiu tua boca de amaranto.

Não quer mais a sílaba tardia,
o que traz e retraz o arrecife
de minhas lembranças, a irritada espuma,

não quer mais senão escrever teu nome.
E ainda que o cale meu sombrio amor
mais tarde o dirá a primavera.

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O CAMINHO molhado pela água de agosto
brilha como se fosse cortado em lua cheia,
em plena claridade da maçã,
em metade da fruta de outono.

Neblina, espaço ou céu, a vaga rede do dia
cresce com frios sonhos, sons e pescados.
O vapor das ilhas combate a comarca,
palpita o mar sobre a luz do Chile.

Tudo se reconcentra como o metal, se escondem
as folhas, o inverno mascara sua estirpe
e só cegos somos, sem cessar, somente.

Somente sujeitos ao leito sigiloso
do movimento, adeus, da viagem, do caminho:
adeus, da natureza caem as lágrimas.

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DOIS AMANTES ditosos fazem um só pão,
uma só gota de lua na erva,
deixam andando duas sombras que se reúnem,
deixam um só sol vazio numa cama.

De todas as verdades escolheram o dia:
não se ataram com fios senão com um aroma,
e não despedaçaram a paz nem as palavras.
A ventura é uma torre transparente.

O ar, o vinho vão com os dois amantes,
a noite lhes oferta suas ditosas pétalas,
têm direito a todos os cravos.

Dois amantes felizes não têm fim nem morte,
nascem e morrem muitas vezes enquanto vivem,
têm a natureza da eternidade.

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Pablo Neruda e Matilde Urrutia


TODOS OS SONETOS ACIMA FORAM EXTRAÍDOS DO LIVRO "CEM SONETOS DE AMOR" - PABLO NERUDA.  TRADUÇÃO: CARLOS NEJAR. EDITORA L&PM POCKET