quinta-feira, 1 de setembro de 2011

VERSOS PARA UMA RUA MODERNA...



Outro dia estava passando por uma rua no bairro Praia da Costa, próximo ao Centro de Vila Velha. Era uma rua bonita, larga, sem saída, que na minha época de infância certamente estaria repleta do alarido das crianças correndo, jogando bola, soltando pipa, rodando pião, brincando de pique, subindo nas árvores... 

Contudo, apesar de ser uma bela manhã de sol, a rua estava deserta e fiquei com a sensação de perda, sentindo um enorme vazio... Fiz uma viagem ao passado, entre as décadas de 70 e 80 e me bateu uma grande saudade da Rua Trindade, localizada no bairro Jardim Guadalajara em Vila Velha, onde passei minha infância e residi até os 25 anos, quando me casei. Naquela época a violência não era tão grande como nos dias atuais e as crianças brincavam na rua sempre. Então, vendo aquela rua tão agradável completamente deserta e silenciosa, lembrei-me da cantiga de ninar "se essa rua fosse minha". Pensei até em escrever um texto ou um poema sobre essa sensação que tive, mas  acabei esquecendo desse episódio. 

Nesta semana, contudo, estava procurando um livro em uma biblioteca e encontrei a publicação "Nas Asas do Vento", primeiro livro de poemas de Marilena Soneghet (de quem sou fã declarada) e me deliciei com diversos poemas até que me deparei, na página 32, com poema "Versos para uma rua moderna", todo versejado em redondilha maior e dotado de uma musicalidade incrível. Puxa, quisera eu ter escrito essa pérola poética! Apesar de retratar outra época, provavelmente os anos  50, também tem muito do sabor da minha infância.   

Assim, transcrevo abaixo a poesia da querida Marilena Soneghet, que além de escrever com uma delicadeza incomparável ainda tem o dom da oratória e declama divinamente seus textos  e eu, que tive o privilégio de vê-la (e ouvi-la) declamando "ao vivo" em algumas ocasiões, leio o poema ao mesmo tempo em que imagino sua voz ao fundo, cantando: Se essa rua fosse minha, eu mandava ladrilhar...


Versos para uma rua moderna

“Se essa rua fosse minha,
Eu mandava ladrilhar”

Com caquinhos de lembranças
para o meu amor sonhar.
Caminhando nessa rua
que não é minha nem sua,
rua sem identidade,
triste, vazia... tão nua,
me pergunto – o que fizeram?
Desumanizaram as ruas.
Elas nunca conheceram
as cantigas de ciranda
e nem nunca despertaram,
na manhã enevoada,
com os tamancos do padeiro
ressoando na calçada.
jamais tiveram comadres,
numa roda de cadeiras
trançando seus pobres sonhos
nas noites enluaradas.
Enquanto isso as mocinhas,
Aos grupos, de braços dados,
Prá lá e prá cá se exibiam
aos futuros namorados.
Pobres ruas de hoje em dia!
Sem candeeiros, sem lua,
sem crianças, sem poesia,
quando desce a madrugada
e a neblina se insinua,
elas não têm serenata;
jazem, como abandonadas;
sem histórias, sem canções,
sem velhos fantasmas, nada!

“Se essa rua fosse minha,
eu mandava ladrilhar”

Com caquinhos de lembranças
para o meu amor sonhar.


(Marilena Soneghet Bergmann)

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