(EN)CANTAR
Tentando controlar a respiração descompassada, ela segue, da coxia para o palco. Sente na boca um estranho sabor agridoce decorrente da mistura do suspense com a adrenalina.
Os
holofotes acendem. Sente-se frágil. Iluminada. Sozinha. No centro de tudo, enfrentando
a plateia. Cada mínimo gesto, sob a mira de centenas de olhares a desnudá-la o
corpo, a alma e o coração. Exposta sob todos os ângulos e sentidos. Seu corpo
inteiro pulsa.
Iniciam
os primeiros acordes e ela desperta do torpor inicial. Dá um passo à frente,
controla o diafragma, segura o microfone. Inspira profundamente.
A
música, invadindo seus ouvidos, lhe traz o bálsamo da leveza... Eis que chega a hora de suplantar a insegurança e encantar. Fecha os olhos. Entra no seu universo interior. Ali está segura. Não precisa mais pensar, tornou-se um
instrumento de sopro. Abre a boca e solta o som vibrante que lhe vem ecoando
por todo o corpo. Estremece. Todos os seus pelos eriçam. Lá dos recônditos da alma, acende a luz que lhe traduz a certeza de que nasceu para cantar.
Ali,
sozinha e hermética, ela enxerga o tom de cada nota que lhe escapa. Vai
colorindo os sons, acendendo palavras, traduzindo ritmos e libertando-se em
gestos.
Então,
já pode abrir os olhos sem receio. Agora brilha mais que os holofotes.
Andra Valladares
Belíssimo texto, parabéns !
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