segunda-feira, 24 de junho de 2013

ZEN



** PARA MELHOR COMPREENSÃO E APROVEITAMENTO DO TEXTO, 
ESQUEÇA A PRESSA,  RESPEITE AS PAUSAS DE RESPIRAÇÃO E 
BOA VIAGEM!**


Zen
                                                                                                                          
No horário do almoço, incomodada com uma enxaqueca resultante do estresse sofrido no trabalho, Celeste resolveu fugir de todo aquele alvoroço no coração de São Paulo. O dia estava quente. As pendências se acumulavam sobre sua mesa, mas ela decidira que faria algo diferente e aproveitaria cada minuto do seu descanso. 


Caminhou algumas quadras até chegar ao Parque Ibirapuera. Procurou um local agradável e fresco perto do lago. Sentou-se confortavelmente na grama, recostada em uma árvore frondosa, fechou os olhos e respirou fundo. Concentrou-se na respiração, aos poucos, foi retirando da mente todos os pensamentos. Isso fez com que cada partícula de seu corpo fosse relaxando lentamente...


Inspirando...expirando...inspirando...expirando... inspirando...expirando...


Ali tudo era paz. Ela sentia a brisa tocando delicadamente sua pele, ouvia os pássaros cantando. A cada inspiração todos os aromas daquele local mágico se misturavam em suas narinas e traziam um pouco daquela bela paisagem para dentro de seu corpo. 


Inspirando...expirando...inspirando...expirando... inspirando...expirando...


Sentia sua aura expandir, emanando uma energia harmoniosa e pulsante. Seu corpo parecia desmaterializar, misturando-se à grama, à terra, às árvores e à água do lago. 


Inspirando...expirando...inspirando...expirando... inspirando...expirando...



O coração batia em um compasso lento, a alma desgarrou-se, planou no vento... Voou sobre a cidade cinza mas agora ela fazia parte do azul... Nada que se passava lá embaixo a incomodava, nenhum problema existia. O tempo parou. A única coisa importante naquele momento era planar no azul profundo e límpido no qual morava seu sonho de paz. 



Inspirando...expirando...inspirando...expirando... 



Sentiu a leveza, a liberdade plena. A abóbada celestial, refúgio para seus olhos em ocasiões especiais ou difíceis era agora o espaço que lhe cabia. O céu, o limite do sem-fim, lugar exato para medir a extensão da sua alma. Deu a volta ao mundo. Estendeu seus braços de luz e abraçou o planeta - a Terra - o grande útero, com suas incontáveis espécies, todo seu mistério de criação e multiplicação da vida. Fundiu-se com as nuvens e choveu...


Inspirando...expirando...inspirando...expirando... 

Despencou do céu, virou semente... Germinou, cresceu e experimentou a delicadeza de ser uma flor gingando com a brisa e espalhando seu perfume. Sentiu-se prestigiada com a visita dos colibris e das abelhas na busca do seu néctar. Nas patas das borboletas voou e espalhou seu pólen, multiplicou-se...

Inspirando...expirando...inspirando...expirando... 

Agora estava completamente dispersa. Era o Todo em seu corpo imaterial: o ar, a água, a terra, o fogo. Era um pouco de tudo, fazia parte da engrenagem que movia o universo. Era uma partícula de energia cósmica, poeira estelar... E então, tornou-se energia pura. Crescente... Crescente... Crescente... Tomou proporções inimagináveis e começou a atrair tudo para si: os planetas, as estrelas, as galáxias, os cometas... Nem mesmo a luz lhe escapava. Acumulou uma energia extremamente potente e poderosa. Explodiu e recriou o universo, que se acomodou inteiro dentro dela. 

Inspirando...expirando...inspirando...expirando... 

Voltou ao seu corpo original. Viu-se vestida em trajes de luz, caminhando por uma alameda de terra fofa e úmida com centenas de árvores perfumadas e perfiladas, que pareciam dançar suavemente com vento. A estrada era longa e ela caminhava calmamente, sentindo o perfume da terra molhada e a sensação deliciosa da massagem que o chão morno e macio proporcionava aos seus pés cansados. Ao final da estrada, havia um belo jardim e no seu centro uma igrejinha branca com o campanário alto onde sinos repicavam... 

Ela foi voltando lentamente... Inspirando...expirando...inspirando...expirando...

E o mundo real começou a surgir, com o som do despertador do seu celular que tocava. Ou era o som dos sinos do campanário? Vagarosamente, abriu os olhos e contemplou o lago manso sendo enrugado pela brisa. À margem, uma libélula azul tentava se equilibrar no capim que balançava. Então, entendeu que aquela cena era também parte da engrenagem silenciosa que movia o universo. 

Sentiu-se parte daquele momento sublime, para o qual o tempo não fazia nenhum sentido. Agora, sabia que toda a matéria do universo se interligava com fios invisíveis de energia. 

Ela era mesmo uma pequena parte do cosmo e continha em si todo seu potencial energético, fisicamente aceso pela breve fagulha da vida. A contagem do tempo, que os seres humanos tanto valorizavam, apenas servia para camuflar essa verdade universal. 

“O tempo não existe, a morte não existe. Há apenas a transformação da matéria em energia cósmica. Ah, se todos soubessem disso, como o mundo seria diferente!” – pensou. 

O silêncio foi quebrado pelo canto do bem-te-vi e isso a fez lembrar que estava na hora de retornar ao trabalho. Mais uma vez, profundamente, inspirou e expirou. 

Levantou-se e viu que já começava a se atrasar. Mas com o espírito zen seguiu calmamente, aproveitando cada detalhe que poderia captar do parque naquele momento. Parecia caminhar sobre nuvens. Sentia-se envolta em um manto de tranquilidade e felicidade imensas. Lembrou-se do motivo que a havia levado ali, aquela terrível enxaqueca, que agora havia desaparecido por completo. 

Ligou o celular, que no mesmo instante começou a tocar, e o atendeu calmamente, enquanto seguia devagar para o trabalho. Agora, porém, com as baterias de paz e confiança recarregadas, já planejando sua próxima visita ao parque. 

Inspirando...expirando...inspirando...expirando...

Assim que saiu do parque encontrou um rapazinho, sujo, magro, com os olhos vidrados e vazios. Sentiu uma vontade enorme de conversar com ele e contar-lhe tudo que havia descoberto. Porém, antes de pronunciar uma só palavra, ele lhe apontou um revólver e pediu dinheiro. No seu íntimo, ela sentia que não corria perigo. Abriu a bolsa e procurou aquilo que o rapaz pedira. Encontrou somente algumas moedas e ofereceu a ele, sorrindo. Ele recusou as moedas e interpretou o sorriso como zombaria... Puxou o gatilho: uma, duas, três vezes... 

Ela caiu e olhou para o céu.

Inspirando...expirando...inspirando...expirando...

Uma pequena multidão se aglomerou à sua volta, ela olhou para as expressões assustadas, revoltadas e comovidas. E para o total espanto daquelas pessoas, sussurrou: “Fiquem tranquilos, não vou morrer...

Voltou novamente os olhos para o azul e sorriu... 

Inspirando...expirando...inspirando... 

Virou luz... Eternidade...


  (Andra Valladares)



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